O líder dos Estados Unidos, Donald Trump, inundou o planeta de incertezas com a sua luta tarifária declarada contra diversas nações.
Mesmo após suspender as taxas por 90 dias, ainda existem interrogações sobre o destino da maior economia global. Parte dos especialistas questionavam que Trump adotaria as ações que adotou, o que o posiciona como ‘fator surpresa’ indesejável nas previsões.
Neste momento, as ofensivas do antigo magnata americano se direcionam para a China. As tarifas, ultrapassando os 100%, permanecem vigentes, enquanto o mercado aguarda ansioso por uma negociação.


Na semana precedente, os dois países insinuaram que uma negociação estaria em andamento, o que foi suficiente para as bolsas dispararem.
Aqui no Brasil, as medidas de Trump podem até ter um efeito favorável sobre a taxa primária de juros, afirma Tony Volpon, economista que exerceu cargo na diretoria do Banco Central entre 2015 e 2016.
De acordo com Volpon, em conversa com o Dinheiro Tempo, alguns meses atrás, “estávamos lidando precisamente com tudo oposto”.
A previsão, conforme ele, era de elevação de juros nos Estados Unidos, crescimento vigoroso e desvalorização de moedas emergentes.
“E agora, dado que enfrentamos um momento complexo com a inflação no Brasil, seria necessária uma compensação mais substancial na política fiscal. Agora, tudo isso mudou”.
Segundo o ex-diretor do BC, mesmo não sendo o panorama principal, há boas possibilidades de o Banco Central reduzir os juros ainda neste ano.
O BC se reunirá na semana seguinte, nos dias 7 e 8, para estabelecer os juros. A expectativa é de mais uma elevação, porém de menor magnitude que 1 ponto percentual.
Para Volpon, o BC deverá aumentar os juros em mais 0,5 ponto percentual, atingindo 14,75%.
Veja a entrevista completa a seguir:
Dinheiro Tempo: Estamos com uma expectativa para o Copom. O que você prevê para a próxima reunião?
Tony Volpon: O Banco Central está operando em um regime de credibilidade abalada. Grande parte disso não é culpa do BC, está ligado diretamente à questão fiscal.
O Banco Central está atuando em um regime em que a credibilidade foi impactada negativamente, conforme podemos observar pela quase total desvinculação das expectativas em todos os prazos.
Acredito que o Banco Central precisa seguir o planejamento e elevar a Selic pelo menos em 50 pontos-base.
Agora, analisando o cenário geral, especialmente em relação ao panorama internacional, creio que, se não fosse por essa questão fiscal, o BC poderia até evitar fazer qualquer movimento na próxima reunião, mesmo com o planejamento já estabelecido.
Estamos em um cenário global muito mais positivo para nações como o Brasil, do ponto de vista da inflação, em comparação com o que estávamos projetando alguns meses atrás.
Assim, o Banco Central, no mínimo, deve seguir o planejamento, mas também deveria começar a indicar o possível término do ciclo de elevações a partir dessa última elevação que seria realizada nesta reunião.
Dinheiro Tempo:Você acredita que estamos nos aproximando do fim do ciclo?
Tony Volpon: Dado o cenário atual, em que o dólar parece entrar em uma tendência de desvalorização persistente e estrutural, com a redução do crescimento econômico em escala global, isso contribui para uma redução nos preços das commodities.
Esse panorama externo é muito mais favorável para a inflação.
Na verdade, alguns meses atrás, estávamos exatamente no sentido inverso: elevação de juros nos Estados Unidos, crescimento robusto, capital sendo atraído para os EUA, desvalorizando moedas emergentes.
Dada a conjuntura difícil com a inflação no Brasil, seria exigida uma correção fiscal mais significativa.
No entanto, como mencionei, tudo isso mudou. Não parece ser uma modificação momentânea, algo passível de reverter rapidamente com alguma declaração de Trump, por exemplo.
Portanto, com esse panorama mais favorável, embora o Banco Central não deva explicitamente indicar isso, acredito que, ao reconhecer essas condições, seria viável começar a sinalizar o fim do ciclo de elevação, após essa última elevação.
Dinheiro Tempo: Vê alguma chance de redução de juros ainda este ano?
Tony Volpon: Eu não consideraria isso como cenário principal neste momento, mas vejo boas possibilidades.
Se o cenário global se confirmar, considerando que estamos com uma Selic extremamente alta em termos nominais, e se houver maior aderência ao ciclo econômico interno em relação à essa taxa de juros, o efeito das condições monetárias restritivas poderá começar a se refletir na dinâmica da inflação.
Isso poderia viabilizar, ao término do ano, uma redução gradual e moderada da restrição monetária, mantendo ainda uma postura relativamente restritiva.
Essa é uma abordagem que, até mesmo o Fed, antes da tumultuação tarifária do Trump, procurava adotar, reduzindo juros não porque a inflação já havia atingido a meta, mas para ajustar o nível de restrição e evitar um overshoot posteriormente.
Agora, se o governo não promover nenhuma ação fiscal adicional desastrosa, o que realmente poderia anular quaisquer chances do Banco Central conduzir a política monetária de forma responsável, acho que sim, existem condições para isso ocorrer.
Dinheiro Tempo: Então o Brasil pode se favorecer, do ponto de vista de juros, com a guerra tarifária entre os Estados Unidos e a China?
Tony Volpon: De modo surpreendente, isso acabou por ajudar.
O panorama está questionando a necessidade de um prêmio maior em ativos americanos.
Isso levou investidores internacionais, em especial da Europa, Japão e Ásia, a começarem a observar os EUA com mais cautela.
Esse movimento, que já vinha se desenrolando na bolsa, começou a se acelerar também na renda fixa e na moeda.
Esse deslocamento é estrutural e independente das recentes mudanças de posição.
Acredito que, com a queda do dólar, o Brasil se beneficia de um cenário muito positivo para a inflação, além de um impacto também positivo da baixa do petróleo.
Quando há a desvalorização do dólar e um questionamento sobre o crescimento global, que possivelmente será negativo, há também outro fator desinflacionário.
Além disso, a queda do dólar comumente afeta as commodities de forma adversa, o que constitui outra variável. Portanto, diversos fatores internacionais estão se alinhando favoravelmente para a inflação no Brasil.
Com isso, acredito que, mesmo que o Banco Central não queira se apoiar fortemente em cenários, o fortalecimento desse panorama pode acabar influenciando a condução da política monetária em vários países, inclusive no Brasil.
Um exemplo disso é o Banco Central Europeu, conseguindo reduzir juros, mesmo com a valorização do euro.
Dinheiro Tempo: O Federal Reserve (banco central americano) pode elevar juros?
Tony Volpon: Não visualizo um cenário plausível de elevação de juros nos EUA, pois o crescimento está decrescente e o Fed já realizou os ajustes necessários.
Mesmo diante de um possível repique inflacionário devido às tarifas, o Fed deve manter os juros nesse nível restritivo e, quando o impacto das tarifas diminuir, começar a reduzir os juros.
Se houver um aumento no impacto inflacionário das tarifas, esse só se converterá em um processo inflacionário se houver uma política monetária expansionista por parte do Fed, o que foi o caso durante a pandemia.
O Fed aprendeu essa lição, e é isso que está orientando a política monetária atual.
Se as tarifas diminuírem e a situação com a China se acalmar, isso abriria espaço para o Fed reduzir os juros de forma mais célere. No entanto, isso depende das ações de Trump e da política que ele adotar.
Dinheiro Tempo: Acredita que o governo brasileiro já tem a situação fiscal mais sob controle ou ainda há risco de “deslizes” fiscais?
Tony Volpon: O espaço fiscal está sempre presente, e ainda existe um caminho insustentável, principalmente com o crescimento acelerado de precatórios.
Embora esse caminho não represente uma explosão imediata, ele gera um prêmio de risco, já precificado, nos juros e na moeda. Se o governo não interferir, talvez seja viável reduzir os juros até o fim do ano.
Contudo, qualquer ação fiscal descuidada poderia aumentar o prêmio de risco e prejudicar a política monetária do Banco Central.
Creio que, se o crescimento cair de forma muito rápida ou houver um declínio significativo na popularidade do governo, isso poderia gerar pressão fiscal e prejudicar a condução da política monetária, acarretando mais desafios para o Banco Central.
Fonte: Money Times