O governo ter compromissos financeiros, por si só, não é necessariamente negativo, mas é essencial ter consciência das limitações orçamentárias das contas governamentais. A análise é do especialista em Economia Marco Cavalcanti, que lidera a área de Finanças Públicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vinculado ao Ministério do Planejamento e Orçamento.
Cavalcanti, que atuou como subsecretário de Política Fiscal da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia, nos anos de 2019 e 2020, dialogou com a Agência Brasil sobre diferentes aspectos da Dívida Pública Federal (DPF), incluindo sua trajetória e sustentabilidade.
A dívida do governo é uma forma de obter recursos. Ela surge e cresce sempre que o governo gasta mais do que arrecada. Quando as receitas provenientes de impostos e outras fontes não são suficientes para cobrir os gastos, o governo obtém financiamento de credores.



Os dados referentes ao comportamento da dívida, seus detentores e os valores pagos são regularmente atualizados pelo Tesouro Nacional, órgão vinculado ao Ministério da Fazenda.
Professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), o economista descreve que, em 2024, a despesa do governo para cumprir obrigações – conhecida como serviço da dívida – representou 41,6% do orçamento federal executado.
Nesse montante estão inclusas as amortizações e refinanciamentos, totalizando R$ 1,658 trilhão (34,3% do orçamento); e os juros, R$ 352 milhões (7,3%).
Esses dados dizem respeito apenas à dívida do governo federal, que corresponde a apenas uma parte da Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) – abrangendo governos federal, estaduais e municipais, além do Instituto Nacional do Seguro Social.
Esse valor alcançou R$ 8,9 trilhões em janeiro de 2025, equivalendo a 75,3% do produto interno bruto anual do Brasil.
Para quem o país está endividado
O último levantamento, referente a fevereiro e divulgado em 28 do mesmo mês, indicou que o saldo da Dívida Pública Federal era de R$ 7,492 trilhões. É importante ressaltar que esse montante não precisa ser quitado ou refinanciado de uma só vez, uma vez que os vencimentos são escalonados, com prazo médio de 4,08 anos.
- R$ 7,178 trilhões são devidos a credores nacionais;
- R$ 314,34 bilhões a credores estrangeiros.
Para contrair uma dívida, o governo emite títulos públicos em troca de recursos, utilizados para suas despesas. Como contrapartida, o credor concorda em receber algo além do montante emprestado, ou seja, a remuneração da dívida, que é cobrada na forma de juros.
Segundo o Plano Anual de Financiamento (PAF), apresentado no início de fevereiro, a DPF deve encerrar 2025 entre R$ 8,1 trilhões e R$ 8,5 trilhões.
O montante que o governo precisa destinar ao pagamento dos credores segue a seguinte distribuição:
- 47,77% do total está vinculado à taxa Selic – atualmente em 14,25% ao ano;
- 20,54% é de taxa fixa (pré-fixada, determinada no momento da contratação da dívida);
- 27,51% está atrelado à inflação;
- 4,18% é corrigido em moeda estrangeira.
E quem são os credores?
- 29,8% da dívida é devida a instituições financeiras;
- 24,1% a fundos de pensão;
- 22,3% a fundos de investimento;
- 9,7% a investidores estrangeiros;
- 3,2% ao próprio governo;
- 3,8% a seguradoras;
- 7,1% a outros.
Indivíduos também podem possuir títulos do governo, seja diretamente, como investindo no Tesouro Direto, ou indiretamente, por meio de fundos de investimento, por exemplo.
Necessidade de endividamento
O pesquisador do Ipea Marco Cavalcanti explica que quando o governo recorre à dívida para se financiar, ocorre porque não está conseguindo obter receitas suficientes para custear as despesas consideradas necessárias pelo governo e, consequentemente, pela sociedade, que é representada pelo governo e pelos parlamentares.
Cavalcanti ressalta que, às vezes, as pessoas tendem a interpretar a dívida como algo negativo, “o que não é verdade”. Ele menciona os gastos públicos durante a crise da covid-19, iniciada em 2020, que deixou muitas pessoas desempregadas e empresas sem receita. Naquele período, os governos em todo o mundo se endividaram para fornecer auxílio e estímulo à sociedade.
No entanto, ele alerta para a importância de observar as restrições orçamentárias, a fim de evitar um descontrole na dívida.
“O problema é que quando a dívida começa a aumentar de maneira perigosa, pode assumir uma trajetória insustentável, tornando-se um fardo significativo [o gasto com] os juros no orçamento atual”.
Quanto maior o dispêndio com o serviço da dívida, menor a margem no orçamento para outras despesas como saúde, educação, previdência, pessoal e investimentos.
O professor de economia defende a necessidade de mecanismos de controle de despesas públicas, como o arcabouço fiscal, que estabelece o ritmo de crescimento das despesas do governo de modo a controlar a dívida pública.
>>> Descubra aqui o que é o arcabouço fiscal
O ex-subsecretário de Política Fiscal ressalta, no entanto, que o arcabouço, por si só, não é capaz de estabilizar a dívida, uma vez que certas despesas do governo, como educação e saúde, possuem regras específicas de comportamento.
“Existem outras regras, inclusive constitucionais, que tendem a levar a um aumento significativo nos gastos”.
Cavalcanti enfatiza que a preocupação com os gastos públicos não é exclusiva do Brasil. Muitos países adotam regras fiscais para controlar despesas. “É imposto um limite para evitar males maiores”.
Impacto dos juros
O coordenador do Ipea destaca que, assim como a economia mensal realizada pelo governo para quitar a dívida (superávit primário), os juros cobrados pelos credores são um aspecto central na equação que determina o comportamento da dívida. Quanto menores os juros exigidos, mais fácil será controlar a dívida.
Ele explica que a decisão sobre a taxa Selic feita pelo Banco Central (BC) não se restringe ao controle da inflação, mas leva em consideração também o interesse dos credores nos títulos da dívida.
“O controle fiscal é uma das formas importantes para tentar reduzir esse risco fiscal, diminuir essa taxa de juros de equilíbrio da economia”, afirma.
“Contenção de gastos e evitamento de desperdícios, melhoria na eficácia dos gastos, estabelecimento de uma trajetória sustentável para a dívida podem acabar criando um ciclo virtuoso”, completa ele, indicando que os credores passarão a aceitar juros menores para financiar o governo, o que resultaria em menor pressão da dívida sobre o orçamento.
Segundo o professor, o governo prevê um cenário de crescimento contínuo da dívida pública federal até 2027/2028, com redução a partir de 2029. Já as projeções de instituições do mercado financeiro são mais pessimistas, algumas prevendo estabilização a partir de 2033.
Fonte: Agência Brasil