A ação do governo norte-americano de implementar impostos sobre todos os parceiros comerciais, divulgada recentemente, simboliza uma tentativa da principal potência mundial de recuperar a posição de destaque que sua indústria já deteve, além de buscar reduzir os déficits comerciais de mercadorias que chegam perto de US$ 1 trilhão anualmente.
Essa análise foi realizada por vários especialistas consultados pela Agência Brasil. Segundo o economista principal do Banco Master, Paulo Gala, no entanto, as tarifas, por si só, não conseguirão reverter a perda de competitividade da economia dos Estados Unidos, especialmente em relação à Ásia.





Conforme Paulo Gala, aumento de impostos representa um golpe significativo para a economia global. Imagem: Paulo Gala/Arquivo pessoal
“A Ásia foi bastante eficaz em desenvolver políticas para fortalecer sua indústria nas últimas duas ou três décadas. Os governos do Vietnã, Malásia, Tailândia, Indonésia, China e até mesmo Índia têm implementado políticas de inovação e industrialização com subsídios para promover o avanço tecnológico”, declarou o professor de economia da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP).
O especialista argumenta que o aumento de impostos representa um impacto severo na economia global, o maior desde os anos 1930. Além disso, observa que esses não são impostos recíprocos, como prometido pelo governo Trump, e que haverá consequências para a economia brasileira, especialmente para certos setores e empresas, como a Embraer.
Em média, os impostos aplicados por Trump foram de 10% para países da América Latina, 20% para a Europa e 30% para a Ásia, evidenciando que o principal problema está no continente asiático.
“Hoje, a Ásia representa quase 25% do mercado global de automóveis, sem mencionar a China, com a BYD, que está competindo diretamente com a Tesla nos mercados internacionais”, ressaltou Paulo.
A Tesla é a empresa de veículos do bilionário Elon Musk, proprietário da marca X e aliado do presidente Trump.
Em 2023, a produção industrial dos EUA correspondeu a 17,4% da produção industrial global, significativamente abaixo dos 28,4% de 2001, de acordo com informações da Casa Branca. “Os persistentes e substanciais déficits comerciais anuais de produtos dos Estados Unidos resultaram no esvaziamento de nossa base manufatureira, limitando nossa capacidade de produção nacional”, justificou Trump.
Paulo Gala afirma que os impostos não resolverão o problema do custo de produção nos EUA.
“O dilema é que o custo de produção nos EUA hoje é de 5 a 6 vezes superior ao custo na Ásia. Enquanto o salário médio nos EUA é de US$ 5 mil, na Ásia é de US$ 1 mil”, explicou.

Especialista destaca que custo de produção norte-americano é significativamente maior que na Ásia- REUTERS/Charles Mostoller
Impacto significativo
As medidas têm gerado incerteza nos mercados globais, causando quedas nas bolsas ao redor do mundo e devem impactar as decisões empresariais. Uma multinacional que opera no Vietnã, China, Taiwan ou Europa agora terá que repensar suas estratégias, conforme avaliação de Paulo Gala.
“Esse é o maior choque tarifário desde os anos 1930, um choque brutal que está gerando extrema preocupação nos mercados. Provavelmente haverá um colapso intenso no comércio, investimentos e estrutura produtiva”, acrescentou.
De acordo com ele, os impostos provavelmente pressionarão a inflação nos Estados Unidos. “Todos os produtos asiáticos ficarão 30% mais caros. Equipamentos, máquinas, tratores, computadores, chips, todos esses itens”, alertou.
Impostos recíprocos
Um dos principais argumentos da Casa Branca para os impostos desta semana é que os parceiros comerciais estão impondo taxas mais elevadas sobre os produtos dos EUA do que o país aplica sobre suas importações, citando o exemplo do Brasil.
“Os grandes e persistentes déficits comerciais anuais de bens dos EUA são, em grande parte, causados pela falta de reciprocidade em nossas relações comerciais bilaterais, prejudicando as vendas de produtos americanos no exterior. O Brasil (18%) e a Indonésia (30%) cobram taxas mais elevadas sobre o etanol do que os Estados Unidos (2,5%)”, afirmou Trump na Ordem Executiva emitida recentemente.
Segundo o economista Paulo Gala, as medidas adotadas não seguiram princípios de reciprocidade. “Não foram impostos recíprocos. A ideia de reciprocidade implica que, se um país impõe uma taxa de 30% sobre os EUA, estes responderão com uma taxa de 30% também. Isso seria um imposto recíproco. Mas não foi isso que ocorreu”, explicou.
Na visão de Paulo Gala, o governo Trump simplesmente aplicou impostos aos grandes déficits comerciais dos EUA.
“Foi uma resposta um tanto tosca. Na verdade, é uma taxação direcionada a países e produtos que geram déficits para os Estados Unidos”, concluiu.
Brasil
O Brasil foi alvo de um dos impostos mais baixos divulgados, com uma taxa de 10% sobre todas as exportações para os Estados Unidos. O governo promete buscar reverter essa situação e recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC), que, devido à inatividade promovida pelos EUA, viu sua atuação limitada nos últimos tempos.
O impacto geral que a guerra de impostos causará, com possíveis retaliações ao redor do mundo, deve trazer desafios adicionais para o comércio internacional no Brasil, independentemente dos impostos sobre as importações brasileiras.
“O Brasil acabou ficando com a taxa ‘menos pior’ de 10%. Embora isso traga benefícios, o país enfrentará os impactos do terremoto global em curso. Há o temor de uma crise afetando juros, câmbio e resultando em uma recessão, o que obviamente afetaria o Brasil também”, afirmou o economista principal do Banco Master.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) destacou que os EUA são o principal destino das exportações da indústria brasileira, especialmente de produtos com alto teor tecnológico, além de liderarem o comércio de serviços e os investimentos bilaterais.
Paulo Gala acredita que a Embraer, fabricante de aviões brasileira, será uma das empresas mais impactadas. “A Embraer é provavelmente a companhia mais prejudicada. Embora nossa dependência dos EUA não seja tão alta, além dos efeitos diretos em algumas empresas brasileiras, não deverá ter um impacto tão drástico”, concluiu.

Avião modelo KC 390 da Embraer. Imagem – Marcos Corrêa/PR/Wikipedia
Oportunidades para o Brasil
Especialistas também têm ressaltado que a crise desencadeada pela guerra de impostos abre portas para oportunidades que podem ser aproveitadas pelas exportações brasileiras.
“Se o Brasil souber aproveitar essa conjuntura, poderá expandir suas exportações, principalmente porque os impostos sobre produtos americanos podem levar os importadores a buscar alternativas”, segundo Volnei Eyng, CEO da gestora de ativos Multiplike.
Fonte: Agência Brasil